segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Indo-se

O que sei é que tua ausência já está declarada inconscientemente dentro de mim. Você morreu pela primeira vez trocando de cidade. E agora seu corpo já não consegue mais segurar seu espírito. Ou será ao contrário? Já não sei.

Disseram que talvez você se vá hoje. Parece que a reação biológica vai ser forte demais para seu organismo já debilitado suportar. Um de seus rins não funciona mais. Disseram que daqui a pouco o outro também vai parar de funcionar. O espiritismo diz que quanto mais sofrida é a morte de alguém numa vida, mais difícil foi esta pessoa na vida anterior. Você não acredita nisso. E eu não sei mais no que acreditar. Essa seria a única explicação para tanto sofrimento, mas você nunca me pareceu uma pessoa difícil. Então, não sei porque você está sofrendo tanto.

O tempo é tão irônico. Enquanto vivo os momentos mais felizes da minha vida com meu namorado, você vive o últimos momentos da sua. E sei que eles não estão sendo felizes. Daria tudo para que eles estivessem sendo. Seria contraditório demais se eles estivessem sendo. Alegria e felicidade até no fim. Nunca vi alguém morrer assim.

Você nunca irá saber que escrevi estas coisas, mesmo que você dure mais 10 anos. Somos fundamentados em bases totalmente diferentes. Você é de 25. Eu sou de 85. Você não tem mais ninguém da sua época. Estão todos mortos. Eu nunca perdi ninguém da minha época. Talvez você seja o primeiro. Deve ser muito triste ter sua vida apenas como lembrança, sem amigos, pais, irmãos, irmãs, parentes, ter sua infância inteira apenas em sua memória, olhar para sua cidade natal e não reconhecer ninguém, nenhum rosto amigo ou ao menos conhecido. Todos mortos. Não consigo concretizar isto. É triste demais.

Me aconselharam a te procurar, pois tenho que participar desta sua última transição. Uso minha falta de dinheiro como desculpa para não ir ao seu encontro. Sou covarde, sempre fui. Sempre chorei sua doença sozinha e nos cantos mais quietos possíveis, fazendo de tudo para ningúem me escutar. Estou apavorada diante de tudo isto. Me pergunto como você está se sentindo, mas não em termos fisiológicos, pois sei que fisicamente a dor é imensa. Queria saber como está seu coração. Você parece tão calmo e sereno ao telefone, sempre dizendo que está bem e até fazendo piada com a sua situação. Sempre querendo acalmar a todos. Este deveria ser o verdadeiro sentido da palavra patriarca.

Tenho tanto a dizer... Mas minha covardia me impede de lidar com os sentimentos que você me causa. Te peço perdão pela neta aparentemente desnaturada que sempre fui. Sempre pensei em você e ainda penso. Te salvei uma vez através da minha pureza e inocência. Mas não sou mais pura nem inocente, então, não ouso nem tentar.

Obrigada por fazer parte da minha existência.

Sangue

Essa vontade de matar o "inimigo"
Planejo mortes sem razões sensatas
Meu ódio, inveja e ciúmes são infundados
Ou talvez não.
Talvez, eu realmente tenha que me sentir assim,
Com esse sangue nos olhos,
Desejando a carnificina de tudo aquilo que me faz mal
Preciso de equilíbrio
Preciso aprender a matar as pessoas por dentro
E não de forma externa,
Pois a morte interior é muito mais densa, precisa e irreversível
Eu almejo-a a todos
Quase todos

(05/08/2007, domingo)